‘Por que um beijo pode me matar’

293

Há muitas razões para se temer avançar para um primeiro beijo num encontro. Morrer, normalmente, não é uma delas.

Mas para Oli Weatherall, essa é uma grande preocupação, junto com viajar de avião e comer fora de casa, por exemplo.

O jovem de 22 anos de Surrey, na Inglaterra, tem uma grave alergia a amendoim.

Quando era criança, uma reação à manteiga de amendoim o mandou direto para o hospital.

Ele diz que sua saliva engrossou tanto que ele mal conseguia respirar.

Desde então, sua vida mudou para sempre.

Reações alérgicas graves

Os riscos trazidos por alergias alimentares – que têm afetado até atividades corriqueiras do dia a dia dele – ganharam destaque na mídia britânica após a morte de uma adolescente e de uma mulher de 42 anos, que teriam sido vítimas de reações alérgicas após lancharem em lojas de uma rede de fast-food.

Em entrevista ao programa de notícias Newsbeat, transmitido pela BBC Radio 1 e pela BBC Radio 1Xtra, Oli contou como lida com esse tipo de risco e afirmou que ser levado às pressas ao hospital depois de comer manteiga de amendoim foi a experiência “mais assustadora” da sua vida.

Reação forte

O jovem de 22 anos não tinha ideia do que estava acontecendo com o próprio corpo enquanto a pele “explodia” em erupções e inchaço. E não se trata de um simples caso em que evitar comer amendoim ajudaria a prevenir isso. Até mesmo beijar outra pessoa numa saída à noite poderia ser arriscado, diz ele.

Especialistas explicam que algumas pessoas são tão alérgicas a amendoim ou maçãs, por exemplo, que podem reagir aos mínimos traços desses alimentos presentes nos lábios de alguém.

Se a pessoa beijada tivesse comido um amendoim ou se o produto tivesse sido usado como ingrediente em uma refeição, esse simples vestígio poderia ser suficiente para desencadear uma reação.

“Pessoas têm morrido disso”, explica Oli. “É um risco muito real, sobre o qual você normalmente só pensa se tem alguém próximo com o problema.” Sair com alguém que comeu um kebab, comida indiana ou outras asiáticas, por exemplo, que podem levar amendoim na receita, é uma de suas preocupações.

“Houve ocasiões no passado em que ficar o tempo inteiro pensando ‘Estou tendo uma reação?’ arruinou minha noite.

Eu não preciso de estresse extra, então, evito esse tipo de situação. Seria bom não ter de me preocupar com esse tipo de coisa, mas é uma realidade”, diz ele.

Comer em qualquer outro lugar que não seja em casa é um problema.

Embora os restaurantes devam estar cientes dos ingredientes alergênicos e saber quais deles estão sendo utilizados nos pratos que servem, Oli diz que um gerente inexperiente ou a equipe de garçons podem tornar a vida complicada – uma informação errada ou omitida pode trazer riscos.

Isso significa precisar de um planejamento cuidadoso de refeições para passar longos períodos fora de casa. “Muito da sua vida tem de ser planejado em torno de conseguir comer com segurança. Isso acaba um pouco com a espontaneidade. Você tem de ficar planejando o que vai acontecer o tempo inteiro.”

Férias no exterior também estão na lista do que ele tem evitado. As viagens podem ser de alto risco para quem sofre de alergia.

Mas não é só a comida no avião que preocupa. Qualquer barreira de idioma pode criar um mal-entendido letal. E tem mais. “Se eu tivesse uma reação no ar, muita gente pensaria ‘ah, você tem o seu antialérgico, é só tomar e você vai ficar bem’, mas não é assim”, diz Oli.

As companhias aéreas dispõem de equipamentos médicos e os funcionários são treinados para prestar primeiros-socorros. Mas ele receia que isso nem sempre seja suficiente.

“Se você usa um EpiPen [medicamento para tratamento emergencial de reações alérgicas graves], precisa de atendimento médico urgente, e isso não é algo possível de se fazer em um voo.”

No destino da viagem também pode haver problemas. “Eu viajei com meus amigos pela Austrália e pela Nova Zelândia três ou quatro anos atrás. Valeu a pena ir, mas quando você está hospedado naqueles hostels com estrutura ruim, não tem como cozinhar sua própria comida. E por isso eu acabei comendo a pior dieta, coisas que sabia que não me trariam problemas durante a viagem.”

“Eu estou feliz por ter viajado, mas não faria algo assim novamente”, diz ele. “Você está de férias, viajando, fazendo um monte de coisas e pensando constantemente no que está por vir – em coisas como, ‘eu estou preparado para amanhã?’ É cansativo.”

Mortes por alergia

As também britânicas Natasha Ednan-Laperouse e Celia Marsh tiveram suas mortes associadas a sanduíches que comeram contendo ingredientes aos quais eram alérgicas.

Natasha tinha 15 anos e teve uma parada cardíaca em pleno voo por causa, segundo o inquérito, de um sanduíche que havia comprado no aeroporto de Heathrow, na Inglaterra, em 2016, em uma loja da rede britânica de fast-food Pret a Manger.

A investigação sobre o caso, cujas conclusões foram divulgadas no final do ano passado, apontou que a rotulagem do produto era “inadequada”. O sanduíche incluía alcachofra e azeitonas, mas também gergelim – que não estava listado entre os ingredientes.

Na Grã-Bretanha, a lei determina que restaurantes e estabelecimentos que vendem comida para viagem informem consumidores sobre a presença de alergênicos. A regra também se aplica à comida pronta vendida por supermercados.

Mas alimentos frescos não pré-embalados que sejam preparados na própria loja – como produtos de padaria – não precisam ser rotulados individualmente com informações sobre alergênicos ou ingredientes.

Adequações dos rótulos

Em outubro de 2018, após os detalhes do inquérito sobre a morte de Natasha serem divulgados, a Pret a Manger disse que passaria a listar todos os ingredientes em seus produtos, incluindo alergênicos.

Pouco tempo depois, em dezembro, outro problema envolvendo produtos da loja, no entanto, teriam levado à morte Celia Marsh, de 42 anos. Ela morreu em dezembro depois de comer um sanduíche vegetariano que continha iogurte anunciado como “sem leite” – mas em que traços de proteína láctea foram posteriormente encontrados em testes realizados pela própria empresa e por duas autoridades independentes.

A Pret a Manger afirmou na época que retirou os produtos afetados das prateleiras tão logo tomou conhecimento do caso, que rompeu o contrato com o fornecedor, de quem havia comprado o iogurte acreditando nas especificações que anunciava, e que estava prestes a tomar medidas judiciais a respeito.

Oli diz que os casos de morte registrados no Reino Unido reforçam por que ele nunca estaria seguro de comer em um lugar como um fast-food.

“Não há a rotulagem lá [especificando os ingredientes usados] e sem isso as pessoas com alergia não podem fazer a escolha certa”, diz ele. “É obviamente uma história horrível [a das mortes] que prova o que pode acontecer quando os regulamentos não estão em vigor.”

No Brasil, desde julho de 2016, uma lei obriga fabricantes de alimentos a incluírem no rótulo informações sobre a presença de alergênicos. Uma cartilha publicada no site do governo antes de ela ser aprovada também dá dicas variadas para quem sofre com esse tipo de problema. Uma delas orienta a pessoas que são alérgicas a alimentos a evitarem produtos que não contenham rótulo com a lista de ingredientes, como, por exemplo, os produzidos em padarias e confeitarias.

 

Fonte: Uol