ALEXANDRE GARCIA: Ainda há Constituição?

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O vice do Rio vai governar um território incompleto. Há lugares onde a lei não pode entrar, por decisão do Supremo. Se convertem em santuários do crime. A polícia não pode entrar nem sobrevoar. Semana passada, o exército do território da Rocinha invadiu o território de São Carlos, no centro do Rio.

A base de um país é a soberania sobre seu território; e a decisão do Supremo contraria a alínea I do primeiro artigo da Constituição.

No dia do julgamento de Dilma no Senado, presidido pelo presidente do Supremo, o parágrafo único do art. 52 da Constituição, foi esquartejado. Ele estabelece que a perda do cargo é “com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública”. Mas Dilma pôde ser candidata ao Senado por Minas
Gerais.

O art. 129 da Constituição diz que o Ministério Público tem a função de promover, privativamente, a ação penal pública. Pois o Supremo abriu por conta própria ação penal, julgando-se vítima do crime de ameaça. Fez o inquérito, investigou, prendeu, fez busca e apreensão e invadiu direitos do art. 5º, 6º e 220 da Constituição. Liberdade de opinião e proibição de censura prévia foram desprezadas.

O presidente da República foi eleito para governar; deputados e senadores eleitos para fazer leis. O Supremo, que não foi eleito, existe para interpretar a Constituição, mas se mete no Executivo e no Legislativo. Interfere em atos administrativos, como nomear um diretor da Polícia Federal. Faz leis, como a do casamento homoafetivo. A Constituição, no art. 226 reconhece a união estável “entre o homem e a mulher como entidade familiar”. E já no segundo artigo a Constituição estabelece que os três poderes são “independentes e harmônicos entre si”.

Outro dia, um juiz do Supremo, atendendo a um partido de oposição, chegou a requisitar o celular do presidente da República. Agora, a pedido de partidos de oposição, uma juíza do Supremo interpela o Banco Central sobre a emissão de notas de 200 reais. O art. 21 da Constituição estabelece que emissão de moeda é da competência da União e o art. 164 estabelece que essa competência será exercida exclusivamente pelo Banco Central.

O ministro Marco Aurélio já afirmou que o Supremo está servindo aos partidos de oposição. “Recuso-me a votar com base em preconceitos”. Estará o Supremo sendo preconceituoso com o presidente?

O Supremo exigiu que uma reunião fechada do Ministério fosse tornada pública. Nela, se ouviu o presidente enfático contra o perigo de ditadura. Mesmo tendo ouvido isso, um ministro disse, para o mundo, em inglês, contracenando com um ex-juiz da corte alemã, que o presidente defende a tortura e a ditadura. Outro sugeriu numa palestra, sem mencionar o presidente, que há um cavalo de Troia contra a democracia, e que as eleições estão em risco. Um é presidente do Superior Tribunal Eleitoral; o outro é o vice. E os dois vão julgar a chapa Bolsonaro e Mourão, mesmo com esses preconceitos.

Nessas poucas linhas vimos 10 artigos da Constituição serem atropelados. O moleiro de Sans-Souci não recuou ante ameaças de Frederico o Grande e argumentou que “ainda há juízes em Berlim”. É hora de perguntar se ainda há Constituição no Brasil.

Fonte: Gazeta do Povo