ROBERTO MUSATTI – Prestação de contas: Um mal brasileiro

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Infelizmente o grande mal dos comentários na mídia brasileira sobre  assuntos de política é que de vez em quando esses profissionais por mais bem intencionados ou competentes, dão derrapadas que, como dizia meu professor de pilotagem, das duas uma… ou você volta a pé para os boxes, ou de ambulância.

Nesta sexta os comentaristas do ótimo programa ‘3 em 1’ da Joven Pan se puseram a discutir e criticar afirmações do General Mourão sobre a Constituição Brasileira. Aparentemente na rapidez que o noticiário hoje exige, não tiveram o tempo necessário para com calma analisarem o discurso em sua totalidade. Se apegaram à suposta frase onde afirma que a mesma precisa ser refeita e desta vez não pelo Congresso, eleito pelo povo.

Depois de indiretamente e nas entre linhas chamá-lo de tresloucado e quiçá fascista e perigoso, fizeram referencia à Constituição Americana – enxuta e jamais refeita – e aos ‘Founding Fathers’ que supostamente a escreveram.

‘Vamos por partes, como diria o esquartejador’, diz o dito popular. Primeiro, os Founding Fathers – George Washington, Alexander Hamilton, Benjamin Franklin, John Jay, John Adams e James Madison escreveram a Declaração de Independência Americana… não a Constituição, escrita por 39 ‘Framers’ (delegados) convocados na Convencão Constitucional de 1787.  Esses delegados foram ‘escolhidos’ em cada uma das Colonias originais (New York, Pensilvania, Massachussets e as demais) entre os mais críticos ao governo Britânico e os mais capacitados. Não foram eleitos ou eram do Congresso.

Assim, pelo menos até esse ponto a fala do General Mourão confere. Ou então a Constituição Americana foi escrita por ‘não democratas’ por indicação de fascistas tipo Adams e Franklin, como afirmou Vera Magalhães?. O grande problema a que se referia o General, é que na última Constituinte e na Constituição que dela derivou, foram defendidos muitos interesses de quem escreveu – os parlamentares – e não necessáriamente do…Povo Brasileiro. Embora, repito mais uma vez, não seja um especialista nesta área, grande parte de nossos atuais problemas econômicos e sociais advem justamente da Constituição – mastodontica e por vezes utópica senão quando … falha.

A simplicidade da Constituição Americana tem várias colunas. Por exemplo, garante que os direitos do cidadão vem antes dos do Estado. A nossa não. Garante que o Estado serve ao cidadão e não ao contrário. A nossa não. Garante que a Representatividade é fundamental para o bom andamento da República e da Democracia – isto é feito pelo sistema do colégio eleitoral e o voto distrital puro. A nossa não. Garante o poder da ‘Accountability’ ou Prestação de Contas do Estado e seus representantes aos seus eleitores. A nossa não. Garante por fim, só para mencionar algumas ‘colunas’, o uso devido do dinheiro público que não pertence ao Estado, mas sim ao povo, cabendo ao primeiro apenas administrá-lo da melhor forma possível para o povo, e para o segundo o direito de questionar seu uso constantemente, através de consultas locais e destituir aqueles que dele fazem mau uso. A nossa não.

Todos os itens que aparecem ‘A nossa não’ é por um motivo simples… vão contra os interesses de quem escreveu nossa Constituição, desde o voto distrital cujo projeto nunca sai do papel ao total desrespeito com o dinheiro público, a opinião pública e por conseqüência…a Prestação de Contas.

E este câncer politico se espalha pelos três poderes, do topo da pirâmide para baixo. Somos uma piada 24×7…. pois só no Brasil em plena crise econômica, com 13 milhões de desempregados,  com a segurança em frangalhos e idem a saúde pública, falta de moradia, infra-estrutura – a lista é longa – o poder judiciário pode trazer à tela tudo ao que se referia o General Mourão.  Empossar como Ministro Chefe do STF um juiz que nunca passou num concurso para juiz, que freqüentemente age em benefício daqueles que o nomearam, numa recepção de gala para 3 mil pessoas regadas a um buffet digno de casamento da realeza com bebidas importadas. Como cereja do bolo, o ‘homenageado’ sem se dar à dignidade do cargo que agora ocupa, se mete a cantar como se tudo estivesse uma maravilha em Brasília e no resto do país, tudo devidamente filmado e disponível na net. Que se dane a crise Constitucional que vivemos, idem a Insegurança Jurídica (vinda essencialmente do STF) e a falta de Confiança nas Instituições. O que vale mesmo são os privilégios e privilegiados… o resto …. ora o resto é povo, cuja função primordial (e medieval) é ‘apenas’ pagar impostos.

Desculpe Vera Magalhães, mas foi a maior demostração que o General está certo – não dá para deixar a Constituição para ser elaborada por estes senhores que não tem o mínimo respeito com o Povo Brasileiro, que tratam com escárnio a Prestação de Contas, porque sabem que ela inexiste no país. Gilmar Mendes é hoje outra grande demonstração deste desrespeito. Em qualquer país do 1º mundo democrático ele já estaria à tempos fora do STF e quiçá dentro das grades.

Só o voto distrital puro pode no correr do tempo, criar esta ‘Prestação de Contas’. Só uma Constituição escrita por ‘notáveis’ pode reverter as falhas da atual. Se os Americanos conseguiram sem muita friula, mi-mi-mi, designar seus ‘notáveis’ mais de 200 anos passados para escrever a mais famosa, antiga e democrática Constituição, porque o Brasil não pode copiar este exemplo?

Quanto ao General Mourão – impressiona como a caserna cria lucidez, ousadia e patriotismo enquanto muitos insistem apenas na ditadura do passado, esquecendo o perigo do passado ou a tortura do passado , esquecendo o terror do passado. Está na hora de aplicar a Lei da Anistia nas percepções também.

Como diz o ditado Africano… “Enquanto os Leões não tiverem seu próprio escritor, as narrativas da caçada sempre favorecerão o caçador” .

 

 

Roberto Musatti

Economista (USP)
Mestre em Marketing (Michigan State)
Doutorando (CIBU –San Diego)
Professor das Faculdades REGES
musattiroberto@hotmail.com